jueves, 7 de agosto de 2008

Mercosul

Alan Pauls propõe fim do discurso vitimista

SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo

Os argentinos são uns chorões. E, ao prolongarem o discurso vitimista cultivado desde o peronismo e a ditadura militar, não conseguem superar feridas antigas e encarar o presente, que hoje se resume a uma seqüência de crises políticas e de instabilidade geral.
O golpe duro contra seus compatriotas é disparado, a partir de uma ficção, pelo escritor Alan Pauls, 49, em "História do Pranto", que chega às livrarias no próximo sábado.
"Nossa cultura é chorona. O tango, o futebol, as épicas fracassadas. O choro "made in Argentina" é título de nobreza e método de blindagem -porque ao que chora não se pode dizer nada. Só podemos nos compadecer e esperar que deixe de chorar", disse à Folha.
O romance se passa na consciência de um menino que assiste, com sarcasmo e desilusão, como o imaginário progressista, e as idéias de revolução e luta armada, formaram-se no período prévio ao regime militar (1976-1983).
Apesar de não tratar a narrativa de modo autobiográfico, Pauls admite semelhanças entre ele e seu protagonista, que nasceram na mesma época. "Como o garoto do livro, meus pais estavam entre os primeiros a se divorciar na Argentina. E também como ele, ao assistir pela televisão as imagens do bombardeio ao palácio de La Moneda, em 1973 [que culminou na morte do presidente socialista Salvador Allende e no início da ditadura do general Pinochet], tive a impressão de que descobria uma dimensão nova do mundo. Se alguém me perguntasse, naquele momento, o que era a política, eu responderia: "isso".
Alan Pauls pertence a uma geração que veio depois da que viveu e sofreu na pele os anos de chumbo do pesadelo militar argentino, em que mais de 30 mil pessoas desapareceram.
Essa turma de "irmãos mais novos" ou filhos das vítimas diretas da crueldade do período, hoje começa a refletir sobre ele de um modo particular.
São autores e cineastas que estão mais interessados em perceber não apenas quem eram os bandidos e os mocinhos. Em entrevista recente à Folha, Martin Kohan, convidado da última Flip, disse que este é o momento de explorar as razões pelas quais a sociedade ofereceu condições para que um governo tão opressivo se impusesse no país. Revoltar-se contra os algozes e pedir justiça foi o primeiro passo. Agora seria a hora de uma nova reflexão.
Não se trata de atenuar a força da repressão, mas de olhar a história de modo mais crítico e oblíquo. "É preciso romper a lei que estabelece que os únicos autorizados a pensar, escrever e recordar os anos 70 são os que os protagonizaram. Agora começaram a emergir pontos de vista e interrogações que não necessariamente coincidem com a explicação dominante formulada por aqueles."
Pauls crê que o discurso vitimista já não funciona mais como descrição histórica ou política dos fatos, mas que, ainda assim, segue sendo um instrumento de chantagem emocional, que impede um avanço da análise das idéias e práticas políticas de então.
O autor aponta para o casal Néstor/Cristina Kirchner [ex e atual presidentes da Argentina, respectivamente] como os que mais manipulam hoje esse discurso, utilizando seu passado como ativistas nos anos 70 para legitimar ações do presente.
"O governo exumou a retórica beligerante do peronismo combativo daquela década para converter em inimigo um setor da produção, a oligarquia do campo, que até bem pouco tempo era seu aliado vital. O setentismo é uma tradição oportunista, que pode ser usada em certas circunstâncias e arquivada em outras."

Ódio ao passado

Em seus romances anteriores, o passado teve papel importante. No próprio "O Passado", levado às telas por Hector Babenco, e em "La Vida Descalzo", sobre a experiência de ir a praias na sua infância.
Agora, também o passado, com enfoque político, volta a ser seu tema. "Odeio a nostalgia e não trato o passado como fetiche. Uso-o como artifício. Algo que se elabora desde o presente. Interessa-me o modo como o imaginamos e os instrumentos às vezes torpes ou fraudulentos com que o construímos."

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