Semelhante reconstrução, embora em escala menos ambiciosa, é executada no novo livro. Outra vez, Antelo põe-se a retraçar os intrincados itinerários da formação da modernidade periférica (ou, melhor dito, deslocada: pois que toda modernidade é da ordem do deslocamento, pondo em questão noções como centro e periferia, global e local, alheio e próprio, estrangeiro e nacional). O ponto de partida, agora, não está mais no casal Duchamp-Maria, mas em outro personagem crucial do século 20, o filósofo Walter Benjamin: elege-se como ângulo de análise a teoria, por este esboçada, do "caráter destrutivo", ou ainda, em outras palavras (que são de Antelo), uma "teoria da modernidade enquanto destruição", a ser repensada para aquém e para além de Benjamin. Antelo começa por frisar que esta teoria "não é apenas datada como também localizada": "Pertence ao mundo das oposições dilemáticas de entre-guerras e se posiciona, ainda, entre Velho e Novo Mundo". O método da pesquisa, aqui, é o já conhecido de obras anteriores de Antelo: a aproximação muitas vezes abrupta, explorando-se antes o choque que a mediação, de objetos e fenômenos culturais em princípio muito distintos; a montagem de séries significantes ali onde até então só conseguíamos ver desordem e não-sentido. É assim que textos de Rua de mão única, de Benjamin, são relidos à luz do depoimento Nueve dibujos y una confesión, de Norah Borges (artista plástica, irmã do escritor Jorge Luis Borges), a partir do realce de um comum interesse por "um conjunto de objetos perdidos e de objetos achados na memória", objetos-testemunhos da destruição a que todas as coisas, nesta concepção da modernidade, parecem estar destinadas. O avizinhamento entre o pensador judeu-alemão e a artista argentina revela-se menos arbitrário do que podia parecer à primeira vista quando Antelo lembra a resenha que Benjamin escreveu do livro O circo, do espanhol Ramón Gómez de
A menção a Gómez de
A arriscada perspectiva histórico-crítica estabelecida por Benjamin é tomada por Antelo como modelo epistemológico. Pelo viés da destruição (e da "história materialista" adequada à sua dinâmica), "o objeto da crítica cultural" - ou, dito mais simplesmente, "o objeto cultural" - nunca está dado de antemão, mas se constitui "na desintegração da própria continuidade histórica". "Para que serve a história da arte?", pergunta o filósofo Georges Didi-Huberman na epígrafe escolhida por Antelo. A resposta, pouco trivial: "Para muito pouco, se ela se satisfaz com classificar sabiamente objetos já conhecidos, já reconhecidos. Para muito mais, se ela consegue colocar o não-saber no centro de sua problemática e tornar essa problemática a antecipação, a abertura de um novo saber, de uma forma nova do saber, ou até mesmo da ação". Para entendermos o que está em questão na prática crítica de Antelo, não só neste livro mas em todos os seus textos, é importante ler aquilo que se segue ao trecho feito epígrafe: Didi-Huberman observa aí que a "grandeza" do historiador Carl Einstein (que, em Devant le temps, ele examina, a par de Benjamin, como desbravador de uma nova história anacrônica da arte: uma história atenta às heterogêneas temporalidades constitutivas dos próprios objetos artísticos) não estava na habilidade de classificar ou interpretar melhor que outros estudiosos "objetos já integrados ao corpus da história", mas na capacidade de inventar novos objetos. Palavras que valem do mesmo modo para Antelo, que bem sabe que toda invenção é a contraface de uma destruição.
por Eduardo Sterzi para Diario Catarinense (Florianopolis: 27.10.2007)